No mundo todo, os ensaios clínicos são ferramentas fundamentais para o avanço dos tratamentos contra o câncer, proporcionando aos pacientes a oportunidade de acessar terapias inovadoras que ainda não estão disponíveis nos tratamentos convencionais. Apesar da importância desses estudos ser amplamente reconhecida, a participação de pacientes em protocolos de pesquisa enfrenta grandes desafios. Entre as principais barreiras estão as questões regulatórias, a concentração dos centros de pesquisa em grandes centros urbanos e a falta de conhecimento dos pacientes sobre os benefícios e o papel dos ensaios clínicos.

No Brasil, os ensaios clínicos têm se tornado uma oportunidade essencial para pacientes com câncer, especialmente aqueles com poucas opções de tratamento eficazes. Esses estudos também representam uma alternativa para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), oferecendo acesso a tratamentos inovadores ainda não disponíveis na rede pública. Além de fortalecer a pesquisa científica nacional, a participação nesses estudos permite aos brasileiros acesso antecipado a terapias promissoras.

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Dados do ClinicalTrials.gov, um site internacional de registros de estudos clínicos, mostram que o Brasil apresentou um aumento significativo no número de ensaios, com aproximadamente 586 novos estudos ao ano até 2016. Durante a pandemia de Covid-19, o país foi escolhido para conduzir 21 testes internacionais de vacinas e tratamentos, o que demonstra a confiança mundial na capacidade brasileira de pesquisa clínica. No entanto, quando se trata de oncologia, o Brasil ainda precisa avançar. Atualmente, o país ocupa a vigésima posição em número de protocolos de pesquisa clínica em câncer, posição que se mantém estável nos últimos dez anos.

Estima-se que menos de 5% dos pacientes com câncer no Brasil participem de ensaios clínicos, e o desenvolvimento e a aprovação de novos medicamentos contra o câncer podem levar de 10 a 15 anos. Muitos desses estudos estão acessíveis apenas em grandes centros de pesquisa em países desenvolvidos, o que limita o acesso para uma ampla parcela de pessoas, especialmente aquelas em áreas remotas ou de baixa renda. Por isso, a colaboração internacional é essencial para ampliar o acesso dos pacientes e acelerar o desenvolvimento de novos tratamentos e estratégias de prevenção.

Para mudar esse cenário, é necessário investir em infraestrutura, capacitar profissionais e promover parcerias com instituições internacionais. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável pela regulação dos ensaios clínicos no Brasil, vem implementando melhorias para tornar os processos mais ágeis e permitir que mais pacientes participem. Além disso, o Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC), criado em 2010, promove a transparência e facilita o acesso público a informações sobre os estudos em andamento, incentivando a participação de pesquisadores e voluntários. Apesar dos avanços, o Brasil ainda enfrenta obstáculos que limitam a participação dos pacientes. São eles:

1. Distribuição Geográfica: a maioria dos centros de pesquisa está concentrada em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, dificultando o acesso para pacientes de regiões distantes. Muitos brasileiros precisam percorrer grandes distâncias para participar, o que eleva os custos e cria desafios logísticos.

2. Obstáculos Regulatórios: embora a Anvisa tenha tomado medidas para agilizar as aprovações, o processo regulatório pode ser demorado. A aprovação de um ensaio clínico no Brasil envolve diversos órgãos, incluindo o Sistema CEP/CONEP para avaliação ética, além da própria Anvisa. Esse processo, embora necessário para garantir a segurança dos participantes, representa uma barreira para o início rápido dos estudos.

3. Barreiras Socioeconômicas: muitos estudos estão abertos em poucas localidades no país, o que muitas vezes dificulta o acesso a pacientes moradores de áreas mais remotas. A despeito dos custos com deslocamento a serem cobertos pelas empresas que patrocinam a pesquisa, muitas vezes o médico local não e capaz de identificar que um determinado paciente e elegível para um estudo aberto em outro centro, sobretudo com longa distância geográfica.

Para enfrentar esses desafios, reguladores e instituições de saúde no Brasil têm buscado formas de descentralizar os ensaios clínicos, inspirando-se em experiências internacionais. Tecnologias como a telemedicina e o monitoramento remoto, por exemplo, podem reduzir a necessidade de deslocamento para pacientes em áreas remotas. Além disso, parcerias com hospitais públicos em regiões distantes podem ampliar o acesso, permitindo que uma maior diversidade de pacientes participe dos ensaios.

Espera-se que o Brasil seja cada vez mais requisitado para ensaios clínicos internacionais, atraindo empresas farmacêuticas interessadas em aproveitar a diversidade populacional e a experiência do país em pesquisa clínica. Durante a pandemia de Covid-19, o Brasil se destacou como um dos principais centros de pesquisa para o desenvolvimento de vacinas e tratamentos. Esse reconhecimento fortalece a posição do país na ciência global e permite que os pacientes locais tenham acesso antecipado a tratamentos inovadores.

Para melhorar a adesão aos ensaios clínicos, é essencial que a população compreenda os benefícios dessas pesquisas. Campanhas de educação podem ajudar a aprimorar a comunicação entre médicos e pacientes, incentivando a inclusão de mais pessoas nesses estudos e assegurando que estejam bem-informadas sobre suas opções de tratamento.

Os ensaios clínicos no Brasil são fundamentais para garantir que os avanços médicos alcancem uma população diversificada. Superar as barreiras geográficas, regulatórias e socioeconômicas é essencial para aumentar a participação e fortalecer a posição do país na pesquisa clínica global. Com estratégias como a descentralização dos ensaios, simplificação dos processos e educação pública, o Brasil poderá continuar expandindo o acesso a tratamentos inovadores contra o câncer, beneficiando pacientes e contribuindo para o progresso científico mundial.

*Por Dr. Carlos dos Anjos – CRM 129177
Oncologista Clínico do Hospital Sírio-Libanês