No domingo, 5, entrou em vigor a Lei nº 14.443/2022 que trata sobre métodos e técnicas contraceptivas para esterilização no âmbito do planejamento familiar. O texto altera os critérios para a realização de laqueaduras e vasectomias, ou seja procedimentos médicos que buscam prevenir de forma definitiva a gravidez. Entre as principais mudanças estão a dispensa do consentimento do cônjuge/parceiro e a diminuição da idade mínima para a realização do procedimento, de 25 para 21 anos. Além disso, mulheres poderão passar pela cirurgia logo no período de parto, puerpério e pós-abortamento. Contudo, conforme o texto anterior, pessoas com capacidade civil plena e com dois filhos vivos, independente da idade, também podem fazer uso de uma técnica de esterilização. Outro ponto que se manteve foi o prazo mínimo de 60 dias entre a manifestação da vontade e a cirurgia. Neste período, a pessoa interessada irá realizar um acompanhamento de regulação de fecundidade com uma equipe multidisciplinar. “As pessoas estão decidindo cada vez mais cedo o rumo que querem tomar para a sua vida. E o planejamento familiar está entre os tópicos que elas estão pensando sobre. Até mesmo por questões de saúde, nem todos podem optar por um método contraceptivo que envolva, por exemplo, hormônios. Se um homem ou uma mulher já sabe que não quer ter filhos ou não deseja ter mais, essa é uma forma que a Lei está colocando à disposição para possibilitar isso. Um ponto que as pessoas se confundem é que a Lei utiliza o termo ‘ou’ para falar da capacidade civil plena, da idade e da existência de dois filhos vivos. É comum que as pessoas entendam que precisam atender a todos os três critérios, mas não. O que o texto diz é que ou você precisa ter a idade mínima e capacidade plena ou precisa ter dois filhos vivos. E a Lei coloca esse prazo mínimo de 60 dias como um tempo para que as pessoas possam pensar e, eventualmente, mudar de ideia porque não é uma decisão fácil”, comenta Priscila Baruffi, advogada especialista em direito da saúde.

Os procedimentos podem ser realizados por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) ou na modalidade particular. Os interessados devem procurar um médico da área, como ginecologista, obstetra ou urologista, para dar encaminhamento ao processo. Para Jéssica Othon, ginecologista do programa Cuidar+ Mulher do Hospital Santa Lúcia, a nova Lei representa um avanço nos cuidados e na atenção à saúde reprodutiva feminina. “Com a mudança na lei e facilitação do acesso ao método, pode-se reduzir a taxa de gestações indesejadas, assim como evitar que mulheres submetidas a cesarianas tenham que se submeter a um outro ato cirúrgico-anestésico para obter o método. Muitas mães acabavam perdendo a oportunidade de realizar o procedimento durante o parto e acabavam retornando aos consultórios grávidas novamente em poucos meses. As mulheres costumam ser aquelas que têm um maior impacto em suas vidas com a chegada de um novo filho, tanto física como psicologicamente. A nova Lei é sim um avanço nas medidas de saúde pública voltadas para as mulheres, que agora têm maior poder de decisão sobre seu próprio corpo e suas próprias vidas. Entretanto, deve-se frisar para a paciente que a laqueadura é considerada um método contraceptivo definitivo, ou seja, que é potencialmente irreversível. Outro lado que tem que ser observado com cuidado é o fato de que agora se abre margem para indicação de parto via cesariana apenas para a realização de laqueadura tubária, o que aumenta os riscos para a paciente quando comparado ao parto vaginal. O próximo passo seria a difusão de conhecimento e aumento de acesso aos métodos reversíveis de longa duração, como tentativa de ser reduzir a exposição da paciente a procedimentos cirúrgicos desnecessários e evitar situações de arrependimento, que não são infrequentes”, pondera.

A saúde sexual feminina sempre foi vista sob a ótica da reprodução, indica Márcia Oliveira, especialista em saúde da mulher e autora do livro ‘Da Dor ao Prazer’. Ela pondera que, com a nova Lei, o Estado garante mais autonomia à mulher no planejamento familiar, visto que esta pode não querer passar por uma gestação. “Os métodos contraceptivos oferecidos para as mulheres apresentam sempre efeitos colaterais, como redução de libido e até mesmo risco de formação de coágulos e risco de trombos. Ao optar por um método definitivo, a mulher pode se preservar deste risco. Para homens, reforça a segurança em não se ter risco de gerar uma gravidez pois, mesmo com uso de preservativos a prevenção pode falhar. Facultar à mulher se esta quer ou não gestar permite direcionar a atenção à saúde sexual e permite dar foco ao prazer feminino. Os próximos passos são criar ambientes salutares de educação sexual com orientação ao prazer feminino. Com certeza, a educação será a principal ferramenta para a construção de uma sociedade que respeite o corpo da mulher”, afirma a fisioterapeuta pélvica.

Para quem já se decidiu pela realização dos procedimentos, Priscila recomenda que os pacientes imprimam a lei para levar na consulta. “Por ser algo novo, as pessoas podem se deparar com profissionais que vão ficar com dúvidas a respeito do texto. Vá na consulta conversar com o médico com a lei impressa para que ele possa ver os critérios. Porque se a pessoa atender aos requisitos e tiver o desejo de realizar o procedimento, essa vontade deve ser atendida”, indica. Os procedimentos duram entre 15 minutos e 1h, em média. A laqueadura é realizada pelo ligamento das trompas enquanto a vasectomia consiste em um corte no saco escrotal para impedir o transporte de espermatozoides. Entre janeiro e novembro de 2022, foram realizadas 90,2 mil laqueaduras no Brasil, de acordo com o DataSUS. O número é o maior da série histórica, iniciada em 2008. O aumento pela busca do método foi maior na região Norte, onde as cirurgias mais que dobraram em 6 anos. Em seguida, vem o Nordeste com um aumento de 66% na realização do procedimentos. Centro-Oeste, Sudeste e Sul também viram a quantidade de cirurgias crescer nos últimos seis anos, com altas de 56%, 25% e 11%, respectivamente. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde de 2019, a laqueadura é o principal método contraceptivo utilizado por 17,3% da população feminina sexualmente ativa entre 15 e 49 anos sexualmente ativa. O método é mais comum entre mulheres de 35 e 49 anos e representa taxa de eficácia acima de 99%. Já as vasectomias cresceram mais de 300% entre 2001 e 2017, indo de 7,7 mil a 34 mil por ano.