Eles não vêm mais. O próximo dia 25 deveria ser uma data para entrar na história do Blink-182, uma das bandas de rock mais influentes dos Estados Unidos. Pela primeira vez em mais de 30 anos, o grupo estava programado para tocar no Brasil, em um show único no festival Lollapalooza. Mas com uma lesão no dedo do baterista Travis Barker, o conjunto foi forçado a cancelar todas as datas da nova turnê na América Latina, semanas antes do início. Uma longa bandeira com o logo da banda decorava o salão do Carioca Club, na zona oeste de São Paulo, onde mais de 600 fãs que aguardavam ansiosamente a vinda se reuniram para uma noite de celebração no último dia 4. Longe de esmorecer as expectativas, o evento que deveria servir de “esquenta” para o show do trio se tornou uma forma de “fechar as feridas” e se preparar para a nova data, reagendada para 2024. Com apresentação do cover Blinkers-182 e Brand New Eyes – interpretando o Paramore, que passa pelo Brasil em março – a festa contou também com a participação de Vitor Isensee (Forfun, Braza) como DJ, executando um setlist com músicas que marcaram os movimentos hardcore, pop punk e emo do início dos anos 2000. Um stand com venda de camisetas temáticas e um estúdio de tatuagem somavam como atrativos no local.

A publicitária Thais Mattos, de 31 anos, era uma das mulheres na casa fantasiadas como a enfermeira Janine – personagem que ilustra a capa do icônico Enema Of The State. Apesar de já ter assistido ao Blink em 2017, na Alemanha, a ansiedade para o show no Brasil e também no Chile, para onde ela já possuía viagem marcada, era grande. Os primeiros rumores do cancelamento coincidiram com a data do próprio aniversário, e a tristeza foi inevitável, mas acabou sendo minimizada pela apresentação do Blinkers. “Com certeza, dá para compensar. Os meninos são super bons. Já vi alguns shows deles e eles tocam muito bem. Vai ser emocionante e divertido”, antecipou.

Thais Mattos (centro), 31, escolheu a roupa baseada na capa do álbum Enema of the State (Gustavo Palma/Action 182/Divulgação)

O set de mais de uma hora e meia trouxe músicas de todos os álbuns da longa discografia da banda, que se prepara para lançar o décimo trabalho de estúdio neste ano. Suficiente para agradar o produtor Rafael Sanches, 30, que há 20 anos acompanha os californianos. “Blink é o que me formou como ser humano. É ser jovem para sempre e fazer piada de American Pie, dar risada. É alegria, ser feliz e idiota com responsabilidade”, explica. Ele também não nega a fama de “emo velho”, como parte de um movimento que tem voltado a ganhar força em shows e nas redes sociais. “Não tem idade para ser emo. E quanto mais velho, mais legal. Agora virou vintage. É um estilo de vida”. Neste estilo, também se encaixam o representante comercial Mário Tanikoshi, de 30 anos, a técnica de gravação Paola Bonan, 31, e a biomédica Vanessa Marutang, 30. O trio de amigos se conheceu por conta dos shows do Forfun, que encerrou as atividades em 2015, mas a paixão em comum pelo Blink logo tomou conta da relação. “É uma banda que escuto desde pequeno, o primeiro CD que comprei foi do Blink. Eles representam basicamente a minha trajetória de vida. Muito do meu estilo é por causa deles”, afirmou Mário. Junto das amigas, ele teve o sonho de ver a banda favorita pela primeira vez adiado.

Além deles, mais de 100 mil pessoas eram esperadas no Autódromo de Interlagos, na zona sul de São Paulo, no sábado, 24, data que a banda seria a atração principal do palco Budweiser e que foi a primeira dos três dias de festival a ter os ingressos esgotados. Para o lugar do Blink, a organização correu contra o tempo e anunciou o Twenty One Pilots. O novo headliner agradou a alguns, mas desagradou a outros. O vendedor Hugo Guimarães e a colega Jaqueline Berci, ambos de 29 anos, estavam se planejando para sair de Jundiaí, onde moram, a cerca de 60 quilômetros da capital, e assistir ao show. Com os planos alterados, eles afirmam que ainda vão ao evento, mas com um gosto diferente. “Vi uns vídeos e eles [Twenty One Pilots] fazem um espetáculo muito bom, que deve contagiar as pessoas. Às vezes, por isso, vale a pena. Mas a galera que curte o Blink, curte muito um gênero específico, e talvez nesse aspecto eles vão ficar devendo”, aposta Hugo. “Gosto bastante, mas acredito que não dá para o Twenty One Pilots substituir o Blink”, lamenta Jaqueline, que também diz ter se programado para assistir ao Tame Impala.

Público acompanha programação em noite dedicada ao Blink-182 (Gustavo Palma/Action 182/Divulgação)

Amor de fã

Por trás da realização do evento no Carioca Club está o empresário Bruno Clozel, de 34 anos, criador e responsável pelo fã-clube Action 182 desde 2003. “Comandar isso tudo é a maior loucura que já fiz pelo Blink”, conta. Desde que descobriu a banda, no final dos anos 1990, Bruno já esteve em 25 shows – todos entre 2009, na turnê de reunião, e 2016. Em uma das idas aos Estados Unidos, ele conheceu o baixista Mark Hoppus e lembra com detalhes do encontro nos estúdios da Fuse TV, onde o músico gravava o talk show Hoppus on Music. “Ele me chamou para sentar no sofá e conversar. Eu tinha 23 anos e todo mundo no estúdio ficou olhando e se perguntando ‘quem é esse moleque falando com o Mark com toda essa intimidade?’”, recorda.

Clozel já foi responsável por outros eventos envolvendo a banda e os artistas no Brasil, incluindo o lançamento oficial do disco Neighborhoods, de 2011, e o lançamento da autobiografia de Travis Barker, Can I Say?, em 2016. Ele encabeça a porção brasileira de uma larga comunidade de fãs do Blink na América Latina, que chegou a lançar um comunicado conjunto quando o adiamento dos shows na região foi oficialmente divulgado. “É uma comunidade bem grande”, conta, citando Brasil e Chile como os dois maiores representantes. “Com essa vinda do Blink, a gente acabou juntando esse grupo e estávamos organizando algumas ações em conjunto com o pessoal do México, Argentina, Colômbia, Paraguai e Peru. As outras comunidades são um pouquinho menores, mas a gente não se importa com tamanho. É mais a questão da união dos países e celebrar o Blink. A gente estava bem unido e continuamos bem unidos, porque agora estamos mirando em 2024.” Mesmo já tendo assistido a 25 shows da banda, Bruno destaca que uma apresentação no Brasil possuiria um sabor especial. “Nada será comparado com o show daqui, porque é o quintal de casa. Eu já realizei o sonho de ver o Blink muitas vezes, então ver meus amigos realizando o sonho deles seria algo muito especial. Até a minha mãe ia ao show”, revela.

Bruno Clozel, 31, anuncia atrações no palco do Carioca Club; responsável pelo fã clube já foi a 25 shows do Blink-182 (André Santos/Action 182/Divulgação)

Influenciadores

Com o auge entre o final da década de 1990 e o começo dos anos 2000, um som característico e uma temática bastante ligada à juventude, o Blink se firmou como uma das bandas mais influentes da sua época. Os números comprovam: além das milhões de cópias vendidas, o trio soma mais de 15 milhões de ouvintes mensais no Spotify. A música mais ouvida na plataforma, o hit All The Small Things, está próximo de atingir a marca de 1 bilhão de reproduções. Já o último single, Edging, lançado em outubro de 2022, possui quase 30 milhões de reproduções e ficou por mais de onze semanas no topo das paradas nos Estados Unidos. A guitarra eletrizante de Tom Delonge – que retornou ao grupo depois de sete anos afastado, quando foi substituído por Matt Skiba, do Alkaline Trio – soma-se ao baixo certeiro de Mark Hoppus, que se recuperou de um câncer no último ano. Na formação mais conhecida pelo público, eles são acompanhados na bateria por Travis Barker, um dos músicos mais conceituados em todo o planeta. A turnê mundial só foi possível depois dele perder o medo de avião, resultado de um acidente em que esteve presente em 2008 e que vitimou quatro das seis pessoas a bordo da aeronave na Carolina do Sul.

Assistir ao trio ao vivo, portanto, é um sonho de Vitor Isensee. Um dos criadores do Forfun e do Braza, Isensee abraçou a referência ao longo de mais de 20 anos de carreira. Mas foi na primeira banda que o Blink serviu de maior inspiração, principalmente no disco de estreia, Teoria Dinâmica Gastativa, de 2005. “Acho que o Blink tem um papel fundamental no que a gente fez ali em termos de sonoridade, estética. Claro que a gente bebia de fontes aqui no Brasil, também. O Charlie Brown Jr., por exemplo, e outras bandas, tanto gringas quanto nacionais”, explica.

O Forfun é o principal porta-voz do movimento que ficou conhecido como Riocore, uma cena que teve o Rio de Janeiro como pano de fundo enquanto praticava a sonoridade do hardcore californiano. Dali, surgiu uma série de bandas que se destacaram no cenário nacional, como Scracho, Darvin e Dibob. Para Vitor, a associação foi instintiva e serviu também para grupos contemporâneos de outras regiões, como Fresno e Strike. “De uma forma quase que espontânea, visceral e intuitiva, nós trouxemos para uma linguagem brasileira o que estávamos ouvindo dessas bandas, principalmente da Califórnia. Colocamos as letras em português e deu nisso aí. Vinte anos depois, é interessante ver como isso influenciou a música que a gente estava fazendo aqui”.

Os “20 anos depois” mencionados por Vitor refletem o ápice artístico e comercial do Blink, a criação das novas bandas no Brasil e culminam com o “revival” do movimento emo. Aos 40 anos, letrista e autor de dois livros de poesia, o músico deixa o futuro em aberto, mas diz não se ver em condições de continuar compondo canções de hardcore na idade atual, embora valorize o trabalho do power trio. “Não é que seja uma música que você não possa mais fazer porque ficou velho, mas, de certa forma, a gente vai adquirindo tantas referências… O Blink serve de inspiração para muitas bandas até hoje, principalmente pela criatividade. Acho que, atualmente, onde você tem tanta referência de estilos, de timbres, conseguir fazer um som criativo e interessante com três instrumentos, poucas bandas são capazes.”

Fundador do Forfun e Braza, Vitor Isensee realiza set de discotecagem no Carioca Club (Gustavo Palma/Action 182/Divulgação)

Se a influência do Blink levou a criação de bandas autorais, o trabalho do Blinkers-182, a banda cover que encerrou a noite no Carioca Club, não é diferente. Com Daniel Lopes (guitarra), Vitor Aranha (baixo) e André Mattera (bateria), o trio é fã assumido dos americanos e sabe da responsabilidade que possui ao subir no palco. Na estrada desde 2016, o trabalho já levou o grupo a diversas cidades do país e também ao Paraguai. Com a proposta de ser o mais fiel possível ao original durante os shows, o Blinkers também busca dar um toque único durante as apresentações. O intuito, segundo Aranha, é a diversão. “O que a gente tenta fazer é reunir pessoas que entendam o quanto essa música tem uma mensagem e uma herança grande nessa raiz que a gente criou para gerar o nosso caráter. Tentamos juntá-las para celebrar, não de uma maneira caricata ou tentar emular o que seria a banda falando português, mas sim três grandes amigos que amam essa banda tentando conhecer mais pessoas no mundo”, diz.

Cada um dos membros já teve a experiência de estar em uma banda autoral – Mattera, por exemplo, passou pelo Cueio Limão –, mas foi no cover que a situação mudou. O guitarrista Daniel brinca que a grande diferença entre um e outro está no público saber todas as letras e diz que “meio caminho já está andado” quando se interpreta outros artistas. “O Blink não tem noção de onde eles levaram a gente. Isso é um fato. Desde quando a gente começou como banda, foi muito longe, muito mais do que eu esperava”, conta. O número de apresentações contratadas do Blinkers subiu com o anúncio da vinda do Blink original, no final de setembro de 2022. O adiamento no começo de março permitiu que o cover faça “mais um ano de aquecimento” e, segundo Lopes, o grupo possui a missão de levar a música a novos lugares, gerando expectativa e diminuindo a frustração dos fãs.

Enquanto os ídolos não chegam, Daniel vai continuar imaginando como se Mark, Tom e Travis estivessem na plateia olhando para ele. “Fico pensando como se os três estivessem vendo eu tocar. Será que eles iam aprovar isso? Será que eles iam estar de acordo com o que estou fazendo? Sempre tenho isso na cabeça justamente para ter o foco, fazer da forma que acredito e honrar a música deles”, revela. Já Mattera diz ter uma relação complicada. Estar à altura do trabalho de Barker é um desafio capaz de deixar qualquer músico intimidado e faz com que o baterista busque entrar na mente do colega de profissão. “A gente não é mais do que ninguém, a gente não quer ser os caras, mas é tanto respeito pelo trampo que é como se entrasse na cabeça deles e estar com eles ali na hora. Sou um soldado de Travis Barker.”