A Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal reuniu, nesta segunda-feira (8), em Brasília, representantes de movimentos sociais, do governo federal e parlamentares na audiência pública intitulada A Fome no Brasil. Esta é o segundo encontro do ciclo de debates sobre A Invisibilidade da Fome, que tem o objetivo de esclarecer a real dimensão do problema e, principalmente, discutir formas efetivas de erradicar o problema no Brasil.

O presidente da comissão, senador Paulo Paim (PT-RS), trouxe dados do II Inquérito de Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 (II Vigisan), da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).

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O levantamento aponta que, em 2022, 125 milhões de pessoas estavam em situação de insegurança alimentar no Brasil, com comprometimento da qualidade e redução da quantidade de alimentos necessários por dia. Além disso, 33,1 milhões de pessoas, de fato, passam fome.

Segundo o senador, este número cresceu 73%, entre 2020 e 2022. A situação é agravada em lares chefiados por mulheres: 19,3% passam fome. Entre os que não têm o que comer, 18,1% são pessoas pretas e pardas e a situação é pior nas regiões Norte e Nordeste do país.

Paim defendeu o envolvimento de todos na missão de erradicar a fome no país.

“Resolver o problema da fome no Brasil não é tarefa fácil. É preciso que toda a sociedade, os três poderes, a própria iniciativa privada e a sociedade civil, como um todo, estejam nesse esforço conjunto para o bem da humanidade”.

Cadastro Único  


Representante da Reuters defendeu atualização e busca ativa par ao Cadunico – Lula Marques/ Agência Brasil

A representante do governo federal na audiência Letícia Bartholo de Oliveira e Silva informou que o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) trabalha na atualização, aprimoramento e fiscalização do Cadastro Único para Programas Sociais (Cadunico) e, também, na integração com o Sistema Único de Assistência Social (Suas). Letícia é secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do MDS.  

Durante a audiência, ela informou que, entre as ações prioritárias do governo federal, está a busca ativa de famílias vulneráveis, com a colaboração, sobretudo, dos governos municipais, para recompor os dados do Cadunico.

“Voltamos a dar apoio aos municípios que ficaram três anos sem capacitação, sem informação, sem apoio do governo federal para essas ações. Agora, estamos retomando as oficinas de busca ativa para organizar de novo nossas redes de atendimento à população”.  

A secretaria adiantou que a recomposição do orçamento do Cadastro Único vai viabilizar oficinas regionais de capacitação de busca ativa.

“Fizemos a recomposição orçamentária. Estamos repassando recursos do SUAS. Aportamos R$ 199,5 milhões para o atendimento emergencial do Cadastro Único porque sabemos a dificuldade que os municípios e as pessoas estão atravessando.

As ações de busca ativa começarão em parceria com o Consórcio Nordeste, que reúne nove estados da região Nordeste pelo crescimento sustentável e desenvolvimento social.

“A função do Ministério Desenvolvimento Social é organizar as ações e aproximar os movimentos representativos da população nos municípios para que todas as pessoas estejam no Cadastro Único e acessem os programas, não só do Ministério, mas de todo o governo federal.”

Aos presentes, a secretária lamentou que a função do Cadunico tenha sido deturpada nos últimos seis anos. Ela destacou que na gestão de Jair Bolsonaro o programa de transferência de renda Auxílio Brasil incluiu pessoas que não tinham necessidade real de receber benefícios, enquanto outros cidadãos de baixa renda estavam em situação de extrema vulnerabilidade social.

“Nos últimos seis anos, o Cadastro Único foi vilipendiado. Começaram a questionar a qualidade de um bom cadastro e transformá-lo em uma barreira de acesso aos cidadãos. O cadastro é para ser uma porta de inclusão.”

Restaurantes e hortas   

O líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Fabiano Monteiro, relatou que, além da luta por moradia, o movimento também lutou para levar alimentação saudável a pessoas em situação de vulnerabilidade social e, assim, “amenizar a dor da fome”.   

Monteiro destacou a entrega de refeições gratuitas pelo projeto Cozinhas Solidárias do MSTS, que inaugurou a primeira unidade em São Paulo, em 2021. Atualmente, são 39 cozinhas distribuídas em 13 estados e no Distrito Federal que já entregaram 1,7 milhão de marmitas e mais de 1,4 toneladas de alimentos gratuitamente. Ele lembra que o projeto é financiado por doações e vaquinhas virtuais, sem ajuda governamental.

“Hoje, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto vai muito além. A gente tá buscando, dentro da nossa capacidade, daquilo que a gente consegue alcançar, realmente transformar a sociedade. É pouco que a gente faz, mas é um pouco que a gente faz de muito grande e bom coração”.

Na audiência, ele destacou ainda a contribuição de outros movimentos sociais – como o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – para criar hortas comunitárias orgânicas em espaços urbanos como forma se aumentar a segurança alimentar de moradores das periferias de grandes cidades e preservar o meio ambiente.

“Sabemos que estamos plantando sementes e não somente alimentando e combatendo a fome. Estamos conseguindo construir uma conscientização de uma sociedade de pessoas melhores para um futuro melhor, para crianças melhores.”

A terra e a fome

Também falando à comissão, a pediatra Regina Barros Goulart Nogueira, apresentou aos senadores um estudo que traça uma linha do tempo com o histórico do uso e propriedade da terra no Brasil e as causas da fome. Regina foi coordenadora-executiva geral do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana.

Contribuíram para a fome no país fatores como a escravidão de negros e indígenas, a monocultura do café e da cana-de-açúcar, desastres ambientais, poluição das águas, falta de reforma agrária, e, ainda hoje, trabalhos análogos à escravidão.  

Ela defende que os povos originários e de matriz africana podem, efetivamente, contribuir para erradicar o problema.

“Um outro Brasil é possível, a partir dos povos e comunidades tradicionais, dos povos originários, dos pequenos agricultores e a partir da reforma agrária. Não queremos migalhas. Queremos soberania por meio da terra, território e territorialidade.”

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